O DEM VAI MUDAR DE NOME E SE CHAMARA “CENTRO”

Ao virar “Centro”, DEM tem de se espelhar na eficácia de velhos liberais


Tenho por hábito meditar caminhando. Diariamente. Percorro rotas de 10 km, ora em parques, ora nas ruas. De manhã cedo. Cumpro essa obrigação autoimposta depois de ler o que preciso, por dever profissional, e antes de abrir as agendas de compromisso. Faço isso religiosamente, inclusive aos domingos. Ontem, enquanto caminhava e meditava sobre a encruzilhada em que está o Brasil, assaltou-me uma sensação de ausência. Vazio cívico. Deu saudades de um personagem contemporâneo vivo, porém não mais presente em nosso dia a dia: Marco Maciel.

Ex-deputado, ex-governador de Pernambuco, ex-senador, ex-vice-presidente da República… agora, refém do Mal de Alzheimer. A síndrome aliena a razão em vida de suas vítimas. No caso particular de Maciel, impede o desfrute da imensa sabedoria acumulada ao longo dos mandatos conquistados e das crises vivenciadas no último terço do Século 20. Hoje, ele é ex de

Doloroso constatar isso. Afinal, a placidez de Marco Maciel para contemplar os labirintos do processo político e vislumbrar saídas negociadas tornava imprescindível consultá-lo à direita –sua praia, sua turma– e à esquerda.

“Calma, sempre temos o Marco!”, disse-me certa vez Luís Eduardo Magalhães, com um habitual sorriso maroto no canto da boca, em 1994. Foi quando o PFL ameaçava romper a aliança com o PSDB porque Guilherme Palmeira fora defenestrado da chapa que comporia com Fernando Henrique Cardoso para disputar a Presidência. Sem trincar a aliança, Maciel virou vice. Uniu a pefelândia, acalmou a socióloga Ruth Cardoso, para quem havia “o PFL de ACM e o PFL de Krause” (ela não conhecia ainda MM, árvore da qual Gustavo Krause era fruto dileto) e se tornou paradigma de vice: colaborativo, antítese da conspiração, encarnação de frentes amplas num corpo delgado como o mapa do Chile.

Uma das derradeiras conversas mais longas que tive com Marco Maciel foi no apagar de luzes do governo Lula, em 2010. “Costa Pinto, saudações pernambucanas e tricolores”, interpelou-me o então senador em seus últimos meses de mandato. Fazia referência à nossa origem comum e ao fato de torcermos doentiamente por um clube que às vezes despreza tanta paixão –o Santa Cruz. Entabulamos longo papo em meio ao qual ele revelou: “fui sondado pelo Lula para ser indicado ao Supremo. Seria simbólico. Teria pouco mais de um ano lá”. Surpreso, quis saber por que não aceitara. “Porque o Supremo precisa de um tributarista, ou de um criminalista. Eu sou um civilista. Não ajudaria em nada”.

Como ajudaria! E quanta simbologia contida tanto no convite quanto na recusa. A amplitude política de um gesto que não se consumou serve como metro para medir a mesquinhez e a pequenez dos atuais detentores do poder. O único consolo é saber quão efêmero é o poder, e quão saudável para a democracia é a alternância dele quando há legitimidade no processo.

A lembrança de Marco Maciel e de tópicos de sua biografia ocorreram-me, tenho isso claro agora, porque as vésperas do feriado de 7 de Setembro servirão para que o país conheça novo recrudescimento da crise política e o surgimento da nova roupagem do Democratas: o herdeiro do PFL chamar-se-á Centro e almeja ser uma novidade na cena política.

Assumir-se liberal-programático e de centro-direita, impor ritos democráticos internos para evitar o exercício arbitrário do comando partidário e abrir-se ao debate com a sociedade serão algo novo surgindo de dentro do velho contêiner do DEM. Sob a liderança de Rodrigo Maia, ACM Neto e Mendonça Filho o Centro promete ser isso. Para sê-lo de fato precisa beber na fonte, no estilo e na dimensão do exercício da política de personagens como Marco Maciel, o presente-ausente, e Luís Eduardo Magalhães, um grande e precoce ausente.

A semana do feriado de 7 de Setembro inicia com um governo em desintegração a despeito dos indicadores econômicos –divergentes, persistentemente recessivos, mas alvissareiros. Herdeiro necessário da liderança de centro-direita, Maia terá de se converter em solução e dessa vez terá de guardar distância bem maior dos ardis da entourage do Palácio do Planalto do que o ocorrido na votação de 2 de agosto. Se a decretação a fórceps do “fim da recessão” pelos historiadores econômicos oficiais foi um estratagema inócuo tentado na última semana, assistiremos à constatação irrevogável esta semana de que a autoridade palaciana se liquefez e junto com ela, o governo.

Na inauguração da ação política do Centro, herdeiro do DEM, que por sua vez era filho do PFL, legenda nascida de uma costela do PDS, Rodrigo Maia terá de perseguir ser a encarnação do que foi Marco Maciel por muitos anos: a solução muitas vezes improvável e simples para os momentos complexamente difíceis.

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Autores

Luís Costa Pinto

Luís Costa Pinto

Luís Costa Pinto, 48 anos, trabalhou em publicações como Veja, Folha e O Globo. Teve livros e reportagens premiadas –por exemplo, “Pedro Collor conta tudo”. É sócio da consultoria Idéias, Fatos e Texto.

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