Hoje, nove de junho de 2017, completo trinta e três anos como usuário de cadeira de rodas. Na década de oitenta, quando me acidentei e fiquei tetraplégico, a vida de um cadeirante era muito difícil. Atualmente, ainda são poucas as facilidades.
Analisando os obstáculos superados e as limitações que ainda tenho que vencer, digo que vale a pena viver. É ótimo estar vivo para contemplar a beleza que é a vida, as pequenas coisas que a tornam mais bela.
Gosto de minhas pernas. Embora não me façam andar, elas me ajudam a me movimentar na cama, a me agasalhar na cadeira… Também gosto das mãos, apesar de limitadas. A esquerda ajuda-me quando escovo os dentes, escrevo, alimento-me, cumprimento, gesticulo, acaricio..
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Não me preocupo com minhas pernas finas e mãos esqueléticas, pois pouca gente está satisfeito com o seu tipo; alguns são gordos e querem emagrecer; outras lutam para engordar, há quem quer mudar o tipo de cabelo; outros apelam para a cirurgia reparadora.
É importante ter uma família e constatar que ela é sólida, firme e estruturada, e saber que todos estão com os braços abertos para substituírem os meus. Essa ajuda física é mínima, comparada com o calor humano que aquece meu espírito durante todos esses anos.
Tenho em minha casa pequenas coisas que facilitam minha vida diária como rampas, banheiro sem box e com porta larga, cadeira de banho, cama de altura adequada, colchão ortopédico e outros objetos que tornam a vida mais facilitada.
É gratificante aconselhar as pessoas para que não sejam imprudentes ao conduzirem carros, motos ou quaisquer veículos e conseguir conscientizá-las dos problemas futuros que podem ocasionar se não seguirem certas orientações.
Percebo grandes avanços para quem tem qualquer deficiência. Os novos acidentados terão uma quantidade menor de obstáculos. Hoje é muito comum me perguntarem em que trabalho ou quais são os meus projetos para o futuro. Antes me perguntavam sobre o que fazia para me entreter ou se minha bunda estava doendo de tanto ficar sentado.
Aprendi que não devemos perder tempo lamentando movimentos perdidos.
É bem melhor e mais produtivo aproveitar o que nos resta. Um homem não pode ser valorizado pela quantidade de passos que pode dar com suas próprias pernas e, sim, pelo amor e respeito que tem por si mesmo e pelos outros.
Gosto de registrar o meu crescimento como ser humano e conquistas como trabalho, estudo, lazer, afetividade… elementos importantes para a vida.
Inúmeras pessoas acidentadas se reabilitaram com mais organização do que eu. Em determinados momentos, tive a sensação de que tudo que fazíamos era pouco, sendo necessária muita sensibilidade para perceber o mínimo de evolução. A luta teve que ser constante e, às vezes, tive que reaprender coisas elementares. Comparo tudo isso a um jogo inacabado que, com improviso, aqui e ali, está sendo bem jogado.
É fundamental haver determinação e confiança. É preciso acreditar que a incerteza de hoje poderá ser a realização de amanhã. Não se pode ter medo de recomeçar ou redescobrir o corpo e a força interior. Muito pode ser alcançado com esforço e perseverança. Temos sempre o que aprender, o que evoluir e o que deixar aflorar.
Não existe mais espaço para tédio. Não me surpreendo com momentos de indiferenças ou pergunta inconveniente. Se a limitação incomoda, por outro lado, não impede que minha vida seja um constante reencontro com emoções perdidas.
Combato momentos de descrenças com uma dose de otimismo, que venho adquirindo e aprimorando com o passar do tempo.Cada barreira ultrapassada significa para mim uma batalha vencida contra a imobilidade do corpo e da alma.
Posso dizer que me sinto bem com a profissão escolhida, com os progressos que tive, com a oportunidade de contar minha história e dizer que amo a vida graças a harmonia familiar, a certa abertura da sociedade e, sobretudo, à forte e constante presença de Deus.
*Hélio de Araújo é professor e cadeirante/Facebook