Mais de 50 famílias sem terra estão sob risco de despejo na zona rural de Floresta (PE)

Posseiros temem que possam ser despejados das fazendas Balalaika e Pedra, onde vivem há mais de duas décadas  –

Júlia Vasconcelos/Brasil de Fato | Petrolina (PE) |
Em Floresta, no sertão de Pernambuco, mais de 50 famílias sem terra temem que possam ser despejadas do local onde vivem há mais de duas décadas. Elas estão localizadas nas fazendas Balalaika e Pedra, na zona rural, onde vivem da agricultura familiar.

Segundo relatos dos agricultores, a posse foi concedida a um empresário local, que adquiriu o imóvel de 531 hectares através de um leilão público, perante a 18ª Vara da Justiça Federal em Serra Talhada (PE). Contudo, as famílias sequer estavam cientes do leilão.

No início de janeiro deste ano, as famílias receberam um oficial de justiça com a ordem de despejo. Organizações sociais formaram uma Comissão para dialogar com a comunidade e prestar apoio jurídico. Entre elas, estão a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Fetape, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Floresta, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Diocese de Floresta.

Eles estão estudando o caso histórico das comunidades antigas. “Os advogados estão atuando e nós estamos acalmando as famílias, mostrando os direitos que cada agricultor tem”, sinaliza Ângela Santos, técnica social da CPT.

“A máquina vem e passa por cima”

A situação pegou todos desprevenidos. “Foi uma surpresa muito grande, porque nós não invadimos esse terreno. Nós não somos invasores, somos ocupantes”. É o que conta o agricultor César* (nome fictício para manter a segurança da fonte), que afirma ter mais de 30 anos vivendo nas terras.

Segundo ele, o oficial de justiça o informou que o agricultor teria 15 dias para recorrer e 5 dias para desocupar o local. “Eu até perguntei: e as casas? E o poço que eu tenho? E o oficial disse ‘não tem nada a ver não, a máquina vem e passa por cima'”, relata.

A Fazenda Balalaika é uma das quatro existentes no território hoje chamado Asa Branca, que, de herança, foi vendida a outros proprietários. O último deles foi à falência e abandonou o local. “Ele tirou um empréstimo ao banco para a área de agricultura. Fez moradia, campina, deixou estruturada. Só que chegou o ponto que ele não tinha mais como tirar dinheiro para fazer nada, então ele abandonou”, relatou outro agricultor da fazenda.


Famílias estão aptas a adquiririr direito de posse por ocuparem a propriedade há mais de 20 anos / Reprodução

Com a área esquecida, uma ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se instalou. “O proprietário já faleceu, mas os filhos deles tudinho sabiam que nós morava no terreno, nunca empataram, nunca proibiram a gente de fazer uma casa, furar um poço. Tudo isso a gente fez. Nunca apareceu nenhum proprietário”, relata César. Antes de se juntar à ocupação, na década de 90, o trabalhador já morava desde 1976 na Fazenda Pedra, vizinha à Balalaika.

O agricultor possui filhos e fez sua vida ao lado da esposa, em Asa Branca. Atualmente, ambos estão aposentados e vivem da agricultura familiar. Ele se orgulha do que construiu nessas três décadas. “Eu sou daqueles que dormem na roça e acordam na roça. Tenho minha cabecinha de gado, minha sementinha de ovelha, de bode… tudo que um agricultor possui, eu possuo. Pouquinho, mas possuo”.

Resistência na terra

Dirigente sindical na STTR, no departamento de Política de Agrária e Meio Ambiente, o agricultor Antônio é um dos primeiros a acampar na área. Ele relata ter feito parte da ocupação do MST em 1995. No entanto, já havia chegado no território anos antes, mudando seu ‘ranchinho’ de lugar conforme as águas do rio secavam.

O sindicalista conta sobre a tentativa de regularizar a ocupação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que não teve sucesso. Segundo ele, as quatro propriedades de Asa Branca não atingiam uma das normas do INCRA. Portanto, não foi possível formalizar um assentamento para que se tornassem proprietários legais do imóvel.

Ainda assim, as famílias seguiram resistindo no local. Antônio, com três filhos, também vive da agricultura familiar. “A gente já tem o conhecimento de lidar com a terra, então a gente não quer sair daqui. A gente quer resistir na terra, quer plantar mais, trabalhar mais para levar o sustento para mesa de todos”, desabafa.

Possibilidade do despejo


O STF não prorrogou proibição de despejos, mas condicionou a um regime de transição / Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

As organizações sociais envolvidas com o caso constataram que os ritos de imissão de posse não estão sendo observados pela Justiça nesse caso, uma vez que os agricultores não foram comunicados do processo de leilão e arrematação do imóvel.

Durante a pandemia, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia suspendido as remoções forçadas no Brasil. Porém, com a melhora do cenário da covid-19, a medida acabou, em outubro de 2022 – mesmo com os movimentos populares pedindo sua prorrogação. Agora, o STF determinou, ainda por meio da ADPF Nº 828, um “regime de transição” para os despejos.

A decisão estabelece que os tribunais de justiça nos estados criem Comissões de Conflitos Fundiários, para que elas façam visitas técnicas no território e audiências de mediação antes de uma reintegração de posse. Isso não ocorreu no caso da Fazenda Balalaika.

Além disso, um dos advogados que tem acompanhado o caso, Lenivaldo Lima, afirma que as famílias adquiriram direito de posse por ocuparem a propriedade há mais de 20 anos. “O arrematante, ao adquirir a propriedade em leilão judicial, tinha o dever de avaliar o bem antes do lance. Portanto, correu o risco e não pode violar direitos de terceiros prejudicados”, explica.

Ele ainda pontua uma série de equívocos na decisão do juiz. “Primeiro, a imissão de posse é contra o proprietário anterior e não contra os posseiros. Segundo, considera as famílias posseiras como se fossem invasoras, o que não são. E terceiro, o descumprimento da decisão do STF”, finaliza.

 

Edição: Vanessa Gonzaga

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