Por Nayara Felizardo –
NO INÍCIO DO ANO, minha mãe mandou uma mensagem emocionada no grupo de WhatsApp da família. Uma aluna sua havia passado em medicina na Universidade Federal do Vale do São Francisco, em Petrolina, município no interior de Pernambuco. Cleonilde Alves Bezerra e os nove irmãos foram criados sozinhos pela mãe, agricultora.
Desde criança, conta mainha, ela só falava em se formar para dar uma vida melhor à família – isso já na escola primária, onde minha mãe leciona.
Quando o governo decretou o corte de 30% dos recursos para as universidades federais, pensei logo nela. Decidi ligar. Por telefone, ela me contou que as coisas na Univasf estão difíceis e devem piorar. O auxílio emergencial para os estudantes no início do curso, do qual ela dependia, por exemplo, já foi suspenso.
Embora eu tenha cursado jornalismo em uma universidade estadual, entendo bem o sofrimento da Cleonilde. Nós duas crescemos no sertão do Pernambuco, região em que ter algo além do ensino médio era visto como um sonho para quase ninguém. Meus pais sempre disseram que o estudo era só o que eles podiam dar a mim e aos meus dois irmãos. E eles tinham razão. Essa é, quando muito, a única herança que milhares de famílias pobres têm condições de deixar para seus filhos, às custas de muito esforço, trabalho e sofrimento.
O corte dos recursos para as universidades públicas representa o fim do sonho de ascensão social para muitas famílias que viam, nos filhos, a possibilidade de ter uma velhice mais confortável. O estudo dos filhos é sua verdadeira expectativa de previdência. Ganhar uma geladeira nova, um fogão, um móvel que faltava não é pouca coisa para quem trabalhou a vida toda na enxada e nunca conseguiu comprar nada disso. Para além dos presentes, não há como mensurar o alívio das famílias que têm a segurança de que os filhos não dependerão de suas aposentadorias, porque o curso superior irá lhes garantir um emprego melhor.
Segundo uma pesquisa da Andifes, a associação de reitores, mais da metade dos alunos das universidade federais vêm de famílias que ganham menos do que um salário mínimo per capita por mês. A morte lenta que o governo Bolsonaro está provocando nesses lugares vai ter graves consequências em todo o Brasil – e é longe dos grandes centros que está a verdadeira tragédia.