Estudante de Salgueiro retira vidro do rosto após 7 meses de acidente: “Consegui me ver de novo no espelho

Jovem fez a primeira cirurgia em São Paulo para retirar as cicatrizes da face, depois do acidente que afundou a sua face, retirou pele do rosto, comprometeu uma sobrancelha e a cartilagem do nariz

A estudante Kedydja Cibelly Borges dos Santos, 20 anos,  chegou a Salgueiro no domingo trazendo de São Paulo a esperança de ver seu rosto reconstruído nos próximos cinco anos. Kedydja se submeteu a sete horas de uma cirurgia de rinoplastia, correção de cicatriz e enxerto de gordura na face, numa clínica particular em São Paulo.

Ela agora sonha apagar as cicatrizes do grave acidente de ônibus de que foi vítima, em 16 de novembro de 2020, no transcurso entre Piauí e Salgueiro (PE), quando sofreu afundamento de face, ficou sem parte da pele da testa e de uma das sobrancelhas e perdeu a cartilagem do nariz, dificultando a sua respiração e o campo de visão do olho direito.

“Consegui me ver de novo no espelho esta semana depois da retirada dos pontos”, conta ela, mostrando o caco de vidro que foi retirado durante a rinoplastia.

           A cirurgia ocorreu exatamente sete meses depois da madrugada do acidente que mudou a rotina da estudante, que voltava de uma viagem de Picos, cidade do Piauí onde nasceu, para o município onde mora, Salgueiro, no Sertão de Pernambuco. A estudante, que cursa Engenharia de Produção na Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), decidiu deixar os pais em Picos para onde havia viajado para votar e retornar para Salgueiro dois dias antes do combinado com a família. “Tinha muitos casos de Covid lá e fiquei com muito medo de morrer, porque perdi minha vó para esse vírus”, conta ela. A menos de duas horas de chegar em casa, o ônibus virou na estrada do município pernambucano de Orobó e todos os passageiros sofreram ferimentos, mas a situação de Kedydja foi a mais grave. Ela revela que o cinto de segurança não a conteve no impacto e foi arredada, caindo com o rosto no chão. “Fui jogada embaixo do ônibus e  fui arrastada. Gritava de dor. Um despero”, recorda ela, informando que outras pessoas conseguiram suspender o ônibus para ela sair, quando foi socorrida por um advogado até o hospital de Ouricuri.

FERIDAS E DORES EMOCIONAIS

A jornada de Kedydja Cibelly para chegar a São Paulo para ser acompanhada por especialistas não foi fácil. As feridas se estenderam às dores emocionais, gerando vergonha de sair de casa, baixa autoestima e depressão. De novembro a março, ela ouviu avaliação de um médico de Petrolina, município pernambucano onde moram seus pais e se submeteu a primeira cirurgia um dia após o acidente, e até de familiares de que ela deveria se conformar com as cicatrizes. “Entrei em depressão depois de escutar que não tinha solução para o meu caso”, conta ela, que está em acompanhamento psiquiátrico desde abril. Católica e devota de Padre Cícero, considerado o santo popular dos nordestinos, Kedydja fez muitas preces para o padroeiro de Juazeiro do Norte, município cearense onde reside seu noivo. “Orei muito e pedi para ele me iluminar”, lembra.

 A sua fé se manteve apesar do quadro depressivo. Em março, como não conseguia um acordo com a empresa responsável pelo ônibus onde estava que capotou durante o acidente, mudou o assessoramento jurídico e ganhou em abril o direito de ter um acompanhamento psiquiátrico. Em maio, conquistou na Justiça o direito de fazer as cirurgias reparatórias de nariz, sobrancelha e face.

A ação foi impetrada pelo advogado especialista em indenização, Eduardo Lemos Barbosa, conseguindo tutela de urgência (2º Grau) favorável à jovem, em 21 de maio, garantindo a ela o direito a fazer todos os tratamentos e cirurgias. Todas as despesas serão pagas pela empresa (Auto Viação Progresso S.A.), por decisão do desembargador Antônio Fernando Araújo Martins. O desembargador Relator Fernando Martins relatou o caso. Até o ingresso da ação, a empresa não havia prestado apoio algum à estudante.“Eles tinham a obrigação de prestar socorro. Além disso, ao longo de quatro meses eles nunca tiveram nem mesmo a curiosidade de saber o estado dela”, contou o advogado Eduardo Barbosa.

 

A ORIGEM

  A estudante é filha de uma pensionista e de um motorista. Ela conta que seu pai está desempregado há três anos e que não tinham condições de bancar o tratamento. Em 2020, após a morte da sua avó em Picos, em julho do ano passado, seus pais migraram para Petrolina, em busca de oportunidades. Não conseguiram e acabaram voltando temporariamente para Picos no período das eleições para trabalhar para um amigo que era candidato. Eles pediram para a filha viajar de Salgueiro, onde ela faz faculdade, para o município piauiense para votar. Pelas condições financeiras em que os pais se encontram, não havia, segundo ela, condições de bancar o tratamento. “Já foi muito difícil passar por esta situação, ainda mais sem qualquer auxílio”, lamentou. O advogado Eduardo Barbosa foi incisivo ao afirmar que é previsão legal da obrigação da empresa em indenizar e prestar auxílio às vítimas de acidente.

O TRATAMENTO

O tratamento total de Kedydja demorará cerca de cinco anos: dois anos com o cirurgião plástico e três com o implante da sobrancelha. Os médicos especialistas informaram a necessidade de uma pausa longa entre os procedimentos para somente depois fazer novas cirurgias. O advogado da estudante entrou com uma ação indenizatória para reparação moral, material e estética, no dia 5 de março deste ano. Houve uma vitória judicial de 2º grau determinando o custeio à vítima, pela empresa de ônibus, de consultas preliminares, laudos e cronograma do tratamento, na cidade São Paulo/SP, em sede de tutela provisória, além de despesas básicas.

A partir do respaldo judicial, a estudante viajou inicialmente para São Paulo, no dia 6 de abril, para se consultar com médicos especialistas referentes à reparação das lesões no seu rosto. Lá ela obteve duas consultas: uma com um cirurgião plástico e outra com médico de implante de sobrancelha. O cirurgião plástico informou à Kedydja que ela precisaria passar por uma consulta com uma fisioterapeuta na sequência, que acabou sendo gratuita. O diagnóstico do cirurgião deu nova esperança à jovem: “O cirurgião plástico me disse que o meu rosto tinha tratamento, tinha um jeito para ele, que conseguiria deixar meu rosto com 90% novo”.

Kedydja voltou a São Paulo no dia 10 de junho para o primeiro procedimento cirúrgico. Teve que fazer uma enxertia de gordura na testa devido ao seu afundamento , uma rinoplastia para melhorar tanto o aspecto do nariz quanto auxiliar na respiração, além de correção de cicatrizes. Dentro de um mês, voltará a São Paulo para começar o processo de correção da sobrancelha, que demandará uma série de cirurgias com intervalos entre seis a oito meses. “Comecei uma nova vida”, disse ela, momentos antes de embarcar de São Paulo para Juazeiro do Norte, onde passou o fim de semana. “Desde a consulta em abril fiquei bastante animada”, diz ela, revelando a emoção: “Até chorei na hora que o médico disse que eu poderia voltar a ter um rosto sem cicatrizes, porque na consulta avaliativa com o cirurgião plástico em Petrolina, que me operou no dia do meu acidente, ele falou que eu tinha que me conformar com o meu rosto, pois ficaria com as marcas para sempre. Eu fiquei muito mal na ocasião com isso, muito deprimida”.

AS MINÚCIAS E O TEMPO

Além do acompanhamento do cirurgião plático e do buco-maxilar, foi recomendado um acompanhamento fisioterapêutico, quando o paciente se submete à técnica chamada de carboxiterapia. Trata-se de um tratamento estético, que consiste na aplicação de injeções de gás carbônico nos tecidos, via subcutânea, que estimula a formação de novos vasos, promovendo melhor irrigação de sangue nos tecidos e, consequentemente, melhor oxigenação da região tratada. Kedydja informou que já na primeira consulta em abril a fisioterapeuta fez com ela uma sessão à laser, massagem com gel de silicone, diminuindo um pouco as cicatrizes. “A fisioterapeuta me passou a receita das coisas que eu preciso usar no dia a dia, incluindo uma placa de silicone para ser utilizada no lugar da fita que uso para esconder a cicatriz”, disse.

O retorno de Kedydja à terra do Padre Cícero, onde descansou no fim de semana na casa do seu noivo Heros Akylla, que a acompanhou durante a última estadia a São Paulo, simboliza para ela um recomeço de vida. Uma reconstrução das marcas e memórias guardadas desde o acidente no dia 16 de novembro de 2020.

“Vai demorar um pouquinho, mas, só em saber que o meu rosto vai melhorar bastante e já comecei a me olhar no espelho de novo, e lá no futuro gostar de olhar o que estou vendo, para mim será uma coisa maravilhosa. Estou muito animada e muito esperançosa