JÚLIA CANTAVA O HINO

BLOGQSP. JULIADurante a Copa das Confederações, uma atmosfera densa rondou, e ainda ronda o País. Vitória insofismável: 3 a 0 na Espanha. A seleção nos (re)uniu em nova ação patriótica.

Nas ruas, manifestantes exigem ética nas relações pessoais, políticas e institucionais; respeito às leis, saúde, educação e transporte de qualidade. No olhar do povo, um brilho contrastante. Ambivalência entre o orgulho de ser brasileiro e voltar ao topo; e a ânsia por melhorias reais. Na TV, comemorações de vitória em um flash, manifestações e protestos em outro.

Em conversa com a jornalista cearense Isabelle Bento, ela me apontou semelhanças entre o momento atual e o que antecedeu a Copa de 70.

Hoje, os gritos de “Ô, ôôô, Brasil!” não devem contrastar com os gritos e cartazes expostos nas ruas: “Quero Ser Campeão em Educação”, ou “Quero Hospitais Padrão FIFA”. O brasileiro não quer mais, apenas, circo _ já que os programas sociais garantiram o pão para a maioria _ e é nesse contexto de difusões de sentimentos e orgulhos, de nacionalidade exacerbada, que surge um novo clamor libertário, reagindo contra intolerâncias como as propostas de cura gay e projetos como a PEC 37. A atmosfera de 1970 ressurgiu. O “Todos juntos vamos… pra frente Brasil!” vai rumo agora às questões éticas.

Contextualizando com o título escolhido, narro o ocorrido com a filha deste que vos escreve. Minha filha Júlia iria cantar o hino e torcer pelo Brasil na final. Assim fazia nas ocasiões patrióticas, empolgada ainda aos 6 anos. Ela também representava a esperança de vivermos num país melhor. Dignidade e respeito à vida de pessoas, como ela, pressupõem o corolário das manifestações atuais.

Mas a voz doce e inocente de Júlia foi calada (in)justamente pela falta do que hoje é almejado pela sociedade: ética, respeito à vida e dignidade. Júlia sofreu um atendimento precário em hospital particular de Juazeiro/BA, fronteira com Petrolina-PE. Usando a “prerrogativa” de pagar um plano de saúde particular, em dezembro passado levei minha filha com febre, cefaleia e vômito ao hospital Unimed Vale do São Francisco. Ela chegou andando e consciente. A demora na providência do exame correto e a negligência de alguns médicos e enfermeiras resultaram no pior. Júlia não resistiu.

O caso é investigado pelo Ministério Público da Bahia. O Cremepe foi oficialmente comunicado. Os médicos “responsáveis” são registrados nos dois Estados e o Conselho de Medicina da Bahia também foi acionado, além da polícia civil. Em um dos pôsteres e fotografias de Júlia que guardo, ela faz um alerta: “Devemos cuidar do mundo, da natureza, de tudo”, escreveu inocente.

Seguimos juntando os pedaços, aguardando apurações, sindicâncias e investigações, cujos resultados esperamos que reflitam os anseios desse novo Brasil, a torcer por mudanças que deixariam Júlia mais satisfeita. E, se conosco estivesse, Júlia cantaria orgulhosa. Afinal, minha filha também sabia cantar o hino do Brasil, país onde muito já se fez pela ética, não só na medicina, como em outras instâncias da sociedade. Porém, ainda há muito a se fazer.

Ricardo Brandão

Jornalista

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