
Arnaldo Sete/Marco Zero
Após dois dias de ocupação do prédio da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Adepe), no Recife, em protesto, cerca de 100 agricultores e agricultoras de Caetés e Venturosa e indígenas Kapinawá haviam conseguido fechar um acordo com o Governo de Pernambuco, no último dia 19, para paralisar as atividades da São Clemente.
Foi a primeira vez que uma mobilização popular garantiu a paralisação de um parque eólico no Brasil. Agora a liminar judicial ignora a decisão da CPRH, a agência ambiental de Pernambuco, permite que o complexo volte a operar, mesmo estando com a licença operacional vencida.
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Ocupação da Adepe reuniu 100 agricultores, agricultoras e indígenas para tentar frear os impactos de projetos eólicos em Pernambuco. Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
A Ventos de São Clemente havia sido derrotada em primeira instância e recorreu, conseguindo essa decisão favorável do desembargador, que usou como argumentos pontos como o “grave risco de dano financeiro à empresa, que sofre prejuízo diário de R$ 600 mil, além do vencimento antecipado de contratos de financiamento no valor de R$ 500 milhões”. Antenor concordou com o argumento empresarial de que a paralisação integral do complexo poderia gerar o “encerramento definitivo da empresa”.
Segundo ele, a decisão da CPRH, quando da negociação que encerrou a ocupação da Adepe, foi “tomada de forma abrupta e arbitrária, coincidentemente após pressão de um movimento social”.
O magistrado alegou ainda que “há impactos sociais e ambientais irreversíveis, pois a decisão (de suspensão das atividades do complexo) compromete a manutenção dos contratos de arrendamento rural que beneficiam 133 famílias, além da demissão de mais de 50 trabalhadores diretos e indiretos” e “que a empresa já investiu mais de R$ 25 milhões em mitigação de impactos socioambientais, incluindo a reforma de 130 residências na área de influência do empreendimento, tendo todas as ações sido acompanhadas pela CPRH”.
Outro ponto levantado é que a suspensão da licença operacional da São Clemente pode “comprometer metas ambientais e a transição energética, dado que o parque eólico está vinculado à certificação da Global Carbon Council (GCC), com potencial emissão de 3.582.090 créditos de carbono”.
Ainda segundo o desembargador Antenor, “a CPRH exigiu plano de ação complementar para a renovação da licença, o qual foi devidamente apresentado pela empresa em 27/12/2024, mas não foi analisado, sendo o pedido indeferido sumariamente”.
Essa informação contradiz o que foi dito pelo órgão ambiental quando do acordo firmado para encerrar a ocupação da Adepe há pouco mais de uma semana, quando a CPRH afirmou que a São Clemente se recusou a cumprir os aspectos legais e, por isso, o órgão decidiu não renovar a licença de operação do complexo.
Em nota nesta quinta, 27 de fevereiro, o órgão disse que “os impasses quanto ao licenciamento do parque Ventos de São Clemente passaram a ser discutidos no Poder Judiciário. Por esse motivo, todos os esclarecimentos serão prestados nos autos do processo, através da Procuradoria Geral do Estado – PGE”.
O objetivo da ocupação da Adepe foi denunciar os impactos dos empreendimentos eólicos, principalmente perda de territórios, remoções forçadas, contratos abusivos e danos ambientais e à saúde das famílias que vivem próximas aos aerogeradores.
Assessoria jurídica da Comissão Pastoral da Terra (CPT) contesta liminar
“O mandado de segurança é um instrumento jurídico que pode ser utilizado quando ocorre algum ato ilegal ou abusivo por parte de uma autoridade. No caso em questão, a decisão da CPRH de não renovar a licença de operação foi uma decisão devidamente fundamentada e que seguiu todos os trâmites administrativos exigidos. Não é porque a empresa discorda do seu conteúdo que pode alegar que ela foi ilegal. Nesse sentido, é com muita estranheza que recebemos a decisão singular do Desembargador Antenor Cardoso Soares Júnior, que determinou o religamento das turbinas em caráter liminar, ou seja, sem sequer analisar detidamente o caso. Ao acatar o pedido de liminar, a Decisão também desconsiderou o cenário de adoecimento e de danos socioambientais nas áreas atingidas pelo parque eólico e o total desinteresse da empresa em adotar medidas de mitigação e de reparação desses danos. Na nossa opinião, a postura do desembargador atropelou não apenas a autonomia administrativa da CPRH como também todo o seu trabalho técnico de apuração dos danos in loco e de construção de medidas mitigadoras”, diz a nota da CPT.
Uma pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) já comprovaram os prejuízos de viver próximo a torres de energia eólica, que costumam causar problemas de saúde como depressão, ansiedade, insônia e perda de audição.
Os efeitos também se fazem sentir nos animais da criação, com, por exemplo, galinhas que deixam de pôr ovos, diminuição da produção de leite pelas vacas, mortandade de abelhas e porcos estressados.
AUTOR
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com