O GOLPE DE 1º DE ABRIL DE 1964

Luiz Duarte (*)

blogqsp.luizduarteA Constituição de 1946 pode ser considerada como uma Constituição Republicana, Federativa e Democrática. Esta Carta Magna * no entender de muitos, a melhor de todas * teve uma existência relativamente calma, pois sofreu somente três Emendas até 1961 e mais outras três até 23 de janeiro de 1963.

No início dos dourados anos sessenta, porém, várias crises, essas mesmas crises que historicamente sempre antecedem aos golpes, assolavam o País. Além disso, naquela época, o quadro político se apresentava cheio de divisões profundas e radicais. Então, neste ambiente propício, aconteceu o golpe de estado na madrugada de 1º de abril de 1964. No entanto, os generais que implantaram a última ditadura militar (no Brasil) seus cortesãos que estão vivos ainda teimam em chamar o golpe de 1º de abril de revolução de 31 de março.

Assim, fica cada vez mais claro que, além de inimigos da democracia, os “revolucionários” eram supersticiosos, mentirosos e tinham medo das gozações. Imaginem só um golpe de estado ser chamado de revolução de 1º de abril. A turma do Pasquim (Jaguar, Tarso de Castro, Sérgio Cabral, Ziraldo, Millôr, Prósperi, Claudius, Fortuna, Henfil, Paulo Francis, Ivan Lessa, Carlos Leonam, Sérgio Augusto, Ruy Castro, Fausto Wolff, Chico Buarque, Antônio Callado, Rubem Fonseca, Odete Lara, Gláuber Rocha e muitos outros intelectuais que não aceitavam a ditadura militar) iria matar a pau. Algo como juntar a fome com a vontade de comer ou aliar a sede com a vontade de beber.

O autoritarismo das forças internas, então a serviço das forças externas, maculou de vergonha e manchou de sangue a verdadeira consciência nacional dando, à Pátria uma prova de desamor jamais vista nos nossos cinco séculos de História.

O Ato Institucional N.º1 nocauteou tecnicamente a Constituição de 1946. Deixou-a de pé, vigendo apenas na medida em que o próprio Ato N.º 1 assim o permitia.

Na realidade, quem vigorava era o ato de força da pseudo-ordem “revolucionária” instaurada, em nome da qual foram cometidos crimes realmente hediondos, e aprovadas diversas emendas que atingiram um número tão elevado que transformaram aquela Constituição numa autêntica colcha de retalhos. Foram tantas Emendas e Atos Institucionais, que amputaram e mutilaram aquele Diploma Legal, que o próprio “poder revolucionário” expressava o desejo de um Texto Constitucional renovado. E, a fim contribuir ainda mais para a desgraça da nação brasileira, foi promulgada, em 24 de janeiro de 1967, a Constituição “Centralizadora”, que entrou em vigor a 15 de março daquele mesmo ano.

A Constituição de 1967 foi mais outra obra da negra noite que se abateu sobre a nação brasileira. Seu ponto central era a enorme e famigerada preocupação com a segurança nacional e o desprezo pela segurança pessoal do cidadão comum… Além disso, levou para a área federal muitas das competências que eram dos Estados e Municípios.

Essa Constituição reforçou exacerbadamente os poderes do Presidente da República, pois a despeito de afirmar a existência de três Poderes, na verdade só existia o Executivo, porque eram, talvez, vergonhosas as competências do Judiciário e do Legislativo. A esse respeito averbou Paulo Bonavides: “Nenhuma Constituição em toda a nossa história republicana deu tantos poderes ao Presidente da República quanto a de 1967, seguida da Emenda Constitucional N.º1, que lhe trouxe um reforço caudaloso.” Destarte, o Executivo ficou tão investido de poderes que praticamente não precisou das chamdas leis delegadas.

Um dos pontos, infelizmente, mais relevantes da Constituição “Centralizadora” foi a redução da autonomia individual, revelando-se tão autoritária que permitia, inclusive, a suspensão de direitos e garantias constitucionais.

Outro ponto muito importante, para os palacianos, foi tornar o Executivo quase-todo-poderoso em matéria legislativa, pois os ditadores juntamente com suas eminências pardas, por intermédio dos decretos-leis atiravam em todas as direções, como metralhadoras giratórias, fundamentados em expressões vazias de sentido e, aparentemente, cheias de competências. Desta forma, editavam normas alegando falsas urgências com as desculpas esfarrapadas do interesse público e das ameaças fantasmagóricas à segurança nacional, que só existiam nas mentes servis dos usurpadores do poder e dos seus áulicos os quais, acusando os nacionalistas de terroristas, espalhavam cinicamente o seu regime de terror.

E, como se tudo isto não bastasse, foi editado, no fatídico 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional Nº 5. Este sim, acabou com o que restava de legalidade nesta terra descoberta por Cabral. É possível que nenhum ditador, em toda a História da Humanidade, tenha reunido tantos poderes quantos os que foram conferidos ao Presidente da República pelo famigerado Ato Institucional Nº 5, de nefasta lembrança, dentre os quais se destacavam poderes até para decretar o fechamento do Congresso Nacional, Assembleias Estaduais e Câmaras de Vereadores.

Por tudo isto e por muito mais poder-se-ia afirmar que o Ato Institucional Nº 5 dava ao Presidente da República (?) poderes quase iguais aos de Deus, pois a única diferença era a seguinte: o Presidente não tinha o poder de criar a vida… Mas o resto ele podia…

Pelo exposto, tem-se a certeza de que estávamos muito distantes da normalidade jurídico-constitucional naquele período que foi a Idade Média de uma nação que assistiu seus filhos serem presos e torturados, morrerem ou desaparecerem sob os auspícios da falsa doutrina da segurança nacional.

Estávamos, entretanto, muito próximos do autoritarismo ditatorial descabido que proibia, inclusive, a manifestação livre do pensamento; do autoritarismo que suspendeu o Habeas Corpus nos casos de crimes contra a economia popular, crimes contra a ordem econômica, crimes contra a ordem social e crimes contra a segurança nacional; do autoritarismo que matou inocentes que amavam a sua pátria; do autoritarismo que proporcionou muitas lágrimas a mães, pais, filhos, irmãos, amigos e, em última análise, fez chorar a família brasileira; do autoritarismo que forçou o exílio de uma elite intelectual necessária àquele momento histórico; do autoritarismo que possibilitou a formação de uma geração frustrada e desencantada com o futuro; do autoritarismo que permitia a cassação de mandatos de parlamentares que pensavam diferente; do autoritarismo que suspendia os direitos políticos de qualquer pessoa, sem-nenhum critério; do autoritarismo que privava a Magistratura de suas garantias essenciais; do autoritarismo que proibia quase tudo e permitia quase nada ao cidadão comum; e, finalizando, do autoritarismo que censurava e asfixiava tudo que não estivesse em acordo com sua “cartilha”.

Todavia, esse autoritarismo jamais poderia sufocar a alma livre de um povo. Este povo que sabia, e sempre soube que, apesar de tudo, amanhã seria outro dia, como escreveu Chico Buarque na sua magnífica música “Apesar de você” (composta durante o regime militar, pois apesar dele, o regime, “Amanhã há de ser outro dia / Inda pago pra ver / O jardim florescer / Qual você não queria / Você vai se amargar / Vendo o dia raiar / Sem lhe pedir licença / E eu vou morrer de rir /Que esse dia há de vir / Antes do que você pensa”. Parece até uma profecia, Graças a Deus e ao povo brasileiro…

No carnaval carioca de 1990, cinco anos depois do regime autoritário, toda a equipe de O Pasquim foi homenageada pelo Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos de Santa Cruz com o enredo “Os Heróis da Resistência”.

Outra música de Chico Buarque(“Vai passar”) composta após a ditadura militar, tinha versos assim:” Num tempo / página infeliz da nossa história / passagem desbotada na memória / Das nossas novas gerações / Dormia / a nossa pátria mãe tão distraída / sem perceber que era subtraída / Em tenebrosas transações…”

Esta composição virou o hino do movimento Diretas Já, cantada em todo tipo de manifestação para pedir eleições livres.

Talvez uns poucos não soubessem que foi desta maneira que a ditadura militar governou este país por vinte anos, onze meses e duas semanas, de 1º de abril de 1964 até 15 de março de 1985. Ou, resumindo, desgovernou nosso país por quase vinte e um anos.

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