Uma longa quarta-feira de cinzas

Por Antonio Magalhães*

Mais um ano sem Carnaval. Como eu disse em 2021 “sem frevo, sem Galo, tempo de peste, de risco de vida. Sem aglomerações, sem abraços ou beijos roubados”. Naquele momento, quando apenas se iniciava a imunização massiva contra a Covid, o perigo era bem maior.

Este ano era esperado o Carnaval pós-Covid, depois da vacinação de quase todos os brasileiros. Uma festa com explosão de alegria, liberalidades mil, a exemplo do que ocorreu em 1919, um carnaval de arromba depois da Gripe Espanhola de 1918 que matou milhares de brasileiros, inclusive minha avó, Antonieta, mas isso é outra história. A peste do início do século 20 extinguiu-se antes da virada do ano.

Agora, quando já havia uma perspectiva para o festejo, uma cepa sul-africana da Covid, a Ômicrom, acabou com a ilusão. Além do mais, possibilitou que as autoridades proibissem quaisquer manifestações no período de momo, sejam festas privadas ou públicas.

No início da pandemia do vírus chinês, a orientação das “brilhantes” autoridades era para que o cidadão ficasse em casa para evitar mais contaminação. Ordens nefastas que destruíram empregos formais e informais, abalou a economia, e no final não evitou a morte de quase 700 mil brasileiros, vítimas da Covid ou com a Covid. Ninguém conseguiu detalhar até hoje.

Hoje, essas mesmas autoridades determinaram que durante os dias de carnaval e quarta-feira de cinzas haverá expediente nos ambientes de trabalho. Todos nas ruas. O fique em casa nesse momento é fator de risco. Porque sem ocupação laboral, o folião inconsciente pode despertar para a festa. Não é questão de saúde. É política. Um exercício de controle social.

Com o pessoal da resistência cultural, surge este ano o “cripto-carnavalesco”. Aquele que não pode expandir-se nesses dias de momo. Nada de fantasia, só a permitida máscara de proteção customizada ou não, fones nos ouvidos sintonizados em frevos e passinhos discretos da nossa tradicional dança em lugares discretos, longe do público.

Outros que resistem à “ordem unida” do governador e prefeito do PSB ficam em casa. Mas ligam o som alto com Alceu, Elba, Maestro Duda, Spock, arriscando-se a serem incomodados pelo vizinho “xiita” ou um PM à sua porta. Mas vale a pena quando a alma não é pequena e o fervor carnavalesco, entranhado nos pernambucanos, canta mais alto:

“Este não ano vai ser igual aquele que passou. Eu não brinquei. Você também não brincou. Aquela fantasia que eu comprei ficou guardada. E a sua também, ficou pendurada. Mas este ano, está combinado, nós vamos brincar separados”.

A marchinha carnavalesca de Jorge de Castro e Geraldo Pereira, “Até quarta-feira”, não acertou o ano. Em 2022, os namorados também não vão brincar, nem juntos e nem separados. As fantasias vão continuar guardadas e penduradas.

Festa liberada no período de Carnaval só em Londres, onde o primeiro-ministro britânico Boris Johnson pôs fim a todas as restrições covidianas. E definiu o momento, no fim do inverno europeu, como propício apenas para uma gripe, sem carga pandêmica. Liberou geral, mas quem vai brincar o carnaval na capital inglesa? Lá tem rainha de verdade, mas não a nossa majestade do Maracatu. E a realeza britânica prefere mais um dobrado militar do que os acordes do frevo.

Mas no Carnaval de 2023 vai ser diferente. Oportunidade para se esbaldar, entregar alegremente a alma aos festejos, sem restrições ou distanciamentos sociais. Há quem acredite que assim ocorrerá no próximo ano. Isto é, se não estiver circulando a vigésima variante do vírus chinês, que lhe obrigue a tomar a quadragésima dose de vacina – duas por variante –, o uso da máscara não carnavalesca e na pochete o passaporte vacinal. Sem ele o folião não compra nem cerveja. Tempo de uma longa quarta-feira de cinzas. É isso.

*Jornalista

Artigo originário do Blogdomagno

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