O contragolpe da elite

BR 247 – “A casa grande soube fazer valer sua autoridade”, diz o jurista Eugênio Aragão sobre a perda de capital político de Jair Bolsonaro perante o mercado, o Congresso e o STF. “Decepcionou sua base e, aparentemente, não recebeu nada em troca. Seus supostos contraentes no STF não foram obrigados a ceder em nada e, no Congresso, pouca ou nenhuma credibilidade lhe restava”.

O mercado acordou hoje eufórico. A bolsa disparou e o dólar recuou. Céu de brigadeiro até perder de vista. O que há poucos dias parecia impossível tornou-se real: conseguiram colocar o gênio bagunceiro – o Amok brasileiro – de volta na sua garrafa. E de forma humilhante. De certo, para nós comuns dos mortais, só parte da história é cognoscível. A outra, muito provavelmente menos republicana, ficará para a especulação.

O dia 7 de setembro era para ser uma data da virada. Apoiadores de todos os rincões do Brasil encheram boa parte da Esplanada dos Ministérios em Brasília e a Avenida Paulista em São Paulo para ouvirem seu líder, o capitão-presidente Bolsonaro. Vendo tamanha turba em júbilo, não se conteve e distribuiu rasteiras para seus supostos inimigos, ministros do STF. Falou grosso.

Disse que não cumpriria mais decisões advindas do Ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de “canalha”. A massa foi a êxtase. E, para dar respaldo às ameaças do líder, empresários organizadores das manifestações bloquearam a Esplanada dos Ministérios em Brasília com seus caminhões e desafiaram a polícia a deixarem-nos passar à Praça dos Três Poderes, onde pretendiam invadir o STF.

O jogo de empurra entre a irada turba e as forças de segurança causou calafrios aos democratas no País. Havia medo real de perda de controle e de sucumbir, a política, à violência em larga escala, com possível intervenção das Forças Armadas na chamada “garantia da lei e da ordem”. Tudo parecia calculado. Bolsonaro, acreditava-se, estava forçando, mais uma vez, os limites do estado de direito para instalar uma ditadura no país. E o movimento dos empresários do agronegócio a promoverem um lock-out da logística de transporte Brasil afora encaixava-se nessa tática. Pretendia-se paralisar o país para submeter as instituições à máxima pressão..

Foi um jogo do tudo ou nada. Com essa intentona, Bolsonaro despejou à lixeira toda a política econômica de Paulo Guedes. O Congresso não parecia mais disposto a apoiar um governo tresloucado. O judiciário que vinha negociando o parcelamento dos precatórios com dívidas da União, abandonou o trato. A economia estava indo ladeira abaixo sem freios. O mercado reagia com extremo mau humor, ainda mais nervoso com os dados sobre a marcha da inflação em direção aos dois dígitos anuais.

Acendeu-se a luz vermelha. Bolsonaro foi convencido a pedir a seus apoiadores que abandonassem o bloqueio de rodovias para permitir que suprimentos chegassem a seus destinos. O recuo causou mal estar e incredulidade. Muitos empresários não queriam ceder antes de atingir seu objetivo: forçar o STF a uma mudança de rumo no tratamento dos crimes praticados por gente do governo e da política indígena, com estabelecimento de um marco temporal para a ocupação territorial tradicional. Mas a pressão da economia sobre o governo era imensa. Esperava-se que Bolsonaro determinasse, se necessário, o uso da força, para controlar sua turba.

Eis que, no meio do rebuliço, surge o salvador: o mestre em golpes políticos, Michel Temer. Um Bolsonaro desesperado com a perda de controle sobre a massa de seus apoiadores urgiu sua vinda a Brasília para negociar uma trégua com o legislativo e o judiciário. E, no final da tarde do dia 9 de setembro, no meio da disputa de espaço em rodovias e na Esplanada dos Ministérios, acontece o inusitado: Bolsonaro manda publicar no Diário Oficial da União uma “Mensagem à Nação” em que desdiz tudo que dissera do palanque perante as massas: não queria confronto com os outros poderes que devem ser harmônicos entre si, as palavras de agressão teriam sido proferidas no “calor dos acontecimentos”, etc. etc.

A turba que marchara para Brasília e São Paulo ficou perdida. Afinal, não haveria mais ruptura? Seu líder fora cooptado “pelo sistema”? Ninguém parecia entender a abrupta mudança de rumos. Aliás, sequer os ministros agredidos queriam dar crédito às palavras de desculpas de Bolsonaro.

Mas passadas as horas, vê-se com mais clareza o que aconteceu: Bolsonaro que foi útil para derrotar a esquerda em 2018 estava se tornando um estorvo não só na condução do país, mas sobretudo na perspectiva das eleições presidenciais de 2022. Quanto pior governasse, mais o campo da esquerda ia se robustecendo, não deixando espaço para um conservador liberal do mercado se tornar ungido nas urnas. Sabedores de que mais um mandato para Bolsonaro seria um desastre para o país que consideram só seu, os representantes do capital também não estariam dispostos a embarcar na canoa da oposição progressista. Ao mesmo tempo, as chances de uma “terceira via” pareciam muito remotas. Precisava-se, pois, neutralizar Bolsonaro para enfrentar a esquerda.

Com sua mensagem à nação, o presidente-capitão perdeu enorme capital político. Decepcionou sua base e, aparentemente, não recebeu nada em troca. Seus supostos contraentes no STF não foram obrigados a ceder em nada e, no Congresso, pouca ou nenhuma credibilidade lhe restava. Talvez seja cedo para dizer que Bolsonaro se tornou um defunto político, mas que saiu muito desgastado desse episódio, disso não há dúvida.

Eugênio Aragão –Ex-ministro da Justiça

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