Por Ulysses Gadêlha*
É caro o preço que se paga por não se saber a verdade. Nação de índices alarmantes de violência, serviços públicos pessimamente avaliados e desigualdade social gritante, o Brasil curiosamente também é o segundo país do mundo onde as pessoas têm menos noção da realidade. É a conclusão do Instituto Ipsos Mori, numa pesquisa intitulada “Os Perigos da Percepção” feita entre 38 países e cuja metodologia se resume em comparar o que as pessoas acreditam que sabem e os dados oficiais. Embora o estudo tenha fragilidades, ele nos permite refletir sobre a finalidade do “lugar-comum” para a compreensão da realidade e, mais especificamente, da política, que rege a vida em sociedade.
Um lugar-comum recorrente é acreditar que a solução dos nossos problemas é a prisão de um político poderoso, cuja honestidade duvidamos, como é o caso do ex-presidente Lula (PT) ou senador mineiro Aécio Neves (PSDB). O noticiário e as redes sociais cumprem um papel decisivo ao influenciar essa crença de que problemas como os 60 mil homicídios por ano, no Brasil, acabariam magicamente, caso o presidente Michel Temer (PMDB), acusado de crimes contra o Estado, fosse trancafiado no Complexo Prisional da Papuda.
Enquanto formador de opiniões, o noticiário nos enche de medo e raiva, sentimentos que atrapalham nossos pontos de vista, como supõe o filósofo suíço Alain de Botton, no livro Notícias, manual do usuário (Intrínseca). “No terreno do noticiário, ter perspectiva envolve a capacidade de comparar um acontecimento do presente que parece traumático com as experiências da humanidade ao longo da História. Dessa forma, é possível entender quais níveis de atenção e medo são requeridos”, pondera o autor.
O filósofo alega que o noticiário nos induz a enxergar que os problemas do mundo podem ser resolvidos. Eles apenas não estão sendo enfrentados com a rapidez e a determinação necessárias, o que nos causa indignação. Concluímos diariamente que “somos governados por vigaristas e idiotas”. “É mais ou menos como se fôssemos convidados todos os dias a assistir através de uma vidraça a um amigo querido se afogando, sem nunca poder fazer nada”, compara, deduzindo que a raiva é um sintoma de que o mundo pode, de fato, ser um lugar melhor.
Nesse caso, a esperança se materializa ao vermos a imagem de um criminoso sendo levado no banco traseiro da viatura de polícia, como signo da justiça acontecendo. Vez por outra, narrativas como Mensalão e Lava Jato produzem imagens dessa natureza. “O momento de clímax em que um poderoso é detido pode ser um espetáculo fascinante”, reconhece. É exatamente como se a fonte dos nossos males e dos males da sociedade fosse identificada e devidamente neutralizada.
Contudo, a detenção de um poderoso desonesto pode nos proporcionar um período curto de satisfação, porque é uma esperança enganosa. “Se fossem trancafiados todos os plutocratas e ministros corruptos, os países continuariam com uma qualidade considerável de problemas a enfrentar”, arremata, dando-nos a dica final.
A pesquisa da Ipsos Mori, curiosamente, traz África do Sul, Brasil, Filipinas, Peru e Índia como os primeiros no ranking de “maior percepção equivocada”. Todos esses são países que enfrentam a dura realidade do Terceiro Mundo, com analfabetismo, fome e desigualdade de oportunidades. Por outro lado, os países que têm uma percepção mais próxima da realidade, segundo a pesquisa, são Suécia, Noruega, Dinamarca, Espanha e Montenegro, cujo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) são exemplo para o Mundo todo. Logo, há uma relação direta, no cerne da democracia, entre a transparência da realidade e a condição de bem-estar social das pessoas.
Não é possível resolver o problema do País apenas na eleição de 2018, porque nosso desafio está em superar uma cultura cheia de equívocos sociais históricos. Quando nos atemos a uma parte pequena do problema, ao humilharmos publicamente o nosso “malvado favorito”, ignoramos que esse indivíduo integra uma cultura praticada em larga escala, de maus hábitos repetidos sem reflexão. Quem garante que você, leitor, faria diferente se estivesse no poder?
Tanto é verdade essa tese – de que não nos importamos mais com a degradação publicizada dos corruptos – que há um desinteresse crescente pela política, gerando previsões pessimistas de enorme abstenção no próximo ano, como se não houvesse mais saída pela Política. Se o debate eleitoral se resume apenas à briga novelesca entre “honestos” e “corruptos”, fica claro que a verdadeira realidade do Brasil está sendo secundarizada. A realidade, com suas implicações sensivelmente cruéis, não é a “cínica” teatralização de “amigos e inimigos” de Brasília, cujo poder real é velado com um manto de burocracia.
Enquanto personificamos os problemas sociais a serem enfrentados pela Política, na polarização que se repete em todas as eleições desde 1989, a mortalidade, o desemprego, a violência contra a mulher, etc. continuarão a ser “resolvidos” com campanhas de frases feitas, marketing e jogo político-partidário. E nós, repórteres, ouviremos dos eleitores a frase já desbotada: “esses políticos só vêm aqui na nossa rua de quatro em quatro anos e não fazem nada”. É o tipo de frase a qual eu sinceramente nunca soube responder.
* Ulysses Gadêlha é repórter do Caderno de Política da Folha de Pernambuco