UM DIA PÁLIDO NA TELA DE UM PINTOR INICIANTE

Maciel Melo*

Então… resolvi pintar um quadro, mas as cores que eu tinha eram tristes e muito frias. O branco era pálido como a face de um menino desfalecido, estendido no asfalto. O vermelho já não simbolizava mais o fogo da paixão. Escorria pelo chão dos becos esquecidos nas favelas para escoar depois nas páginas dos jornais, escorregando em lágrimas de sangue nos olhos de quem lê. O preto nobre, que adoçava a elegância dos senhores de engenho e que tingia as togas dos excelentíssimos senhores juízes de direito, escurecia a viuvez de uma nação velando seu próprio funeral. O laranja, que alegrava a infante areia dos rios, chorava, sentindo a falta do verde que outrora coloria sua ribanceira. O azul perdeu a personalidade, ficou opaco, virou cinza, encortinou o infinito, escondendo o céu com um manto de nuvens negras, cobrindo o teto desse imenso condomínio de arranha-céus chamado Brasil.

E eu, mais parecendo um inquilino prestes a ser despejado por ser inadimplente e não poder pagar pra nascer, poder pagar pra viver, tampouco para morrer. A franja da paisagem que margeava o rosto do rio foi perdendo o fio, foi perdendo o fio, foi perdendo o fio… O leito virou lama, a lama virou pedra, a flor só tem espinhos, e nas rugas da fachada daquela casa velha vejo o retrato de um tempo em que o fastio era uma palavra que se usava para enganar a fome.

Pintar no molhado é bom, a cabeça fresca, a mente fria! Quero ver pintar no seco, o sol escaldante derretendo o miolo do juízo. Aí sim. Juntei minhas bisnagas, entortei o boné, misturei as tintas, guardei a paleta, uni os pincéis e amarrei com um pedaço de uma tira de embira como se estivesse fazendo um feixe de lenha. Enfim… Guardei os troços, fiz do cavalete o lastro de uma cama, coloquei a tela em cima e fui dormir. Vou esperar o tempo nublar mais um pouco. Depois eu volto.

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