NÃO VIREI FANTASMA!

*Geraldo Dias de Andrade

blogqsppoonte1Sob o sol forte que come o juízo de qualquer cristão, aqui em Juazeiro-Ba, esbaforido, empurrado pela pressa a procura de abrigo para proteger meu crânio, acelerei os passos com destino a um bar nas imediações da Praça Aprígio Duarte.

Maneirei a rapidez ao pisar o passeio do referido bar, onde havia uma diminuta sombra projetada pela parede lateral. A proprietária que varria a frente de seu comércio etílico, na proporção que me aproximava, arregalava o boteco dos olhos na minha direção, permanecendo estática, e, como se fosse uma policial feminina – ombro arma! – pois a vassoura no ombro, como se preparasse para um golpe de vassourada! Proclamou:

O senhor é o pai de “Chiquinho?” nome fictício. Não! Sou o coronel Geraldo e, você me conhece há anos, bem como o seu marido. Procurei de imediato consultar Àjotó (no Brasil, segundo Vodum, é protetor da pessoa), entretanto, fez ouvido de mercador! Com os meus botões, imaginei que tinha virado de-cujus ou estava lé-lé da cuca! Pedia malembe ( misericórdia), mas, nada dava sossego ao meu cérebro.

Quis saber de mim mesmo que dia juntei as botas para a grande viagem à cidade de pé-junto, tudo debalde, em vão! Em momento de reflexão apelei para o duplo: (meu sósia espiritual) que me dera um alívio de que eu não tinha viajado para a segunda dimensão. Garantindo-me que eu era um vivente de carne e osso e não um fantasma, ou alma perdida.

O meu duplo também me dissera o que acontecera, porque era segunda-feira, dia dos passeios das almas que saem visitando os amigos, os lugares por onde sempre andaram. Acrescentou, ainda que a dona do bar, possivelmente vidente, observou em mim a imagem do falecido que era mesmo que meu irmão.

Aproveitou, também, para esclarecer que estamos no período da quaresma e nenhum oráculo olha com o ifá ( Deus nagô da advinhação).

Portanto, os babalorixás, cartomantes, etc, só enxergarão através das cartas ou búzios, após a Semana Santa!

Ciente dos avisos, dos quais já conhecia, e, por volta das onze horas pensei em ir para casa com a intenção de acender três velas para os desencarnados, porém, haveria de fazer uma parada em um frigorífico no bairro Santo Antônio. Apressei o possível para não estar na rua às doze horas, visto que, neste horário não somente as almas, bem como, o tinhoso perambulam pelas encruzilhadas, objetivando a maldade.

Pulei do carro açodadamente e adentrei no frigorífico que parecia um deserto, silêncio profundo, sem nenhum freguês, assim como, ausência de quem pudesse me despachar. Só via carne dependurada, sangue, cabeça de frangos, bode e pé de boi. Veio a minha mente o retrato da dona do bar que me tachava de defunto. Todavia, a confiança estava no meu duplo; e não deixei de apelar para Malambe (misericórdia de Deus). Então, apertei ao peito com fé o meu amuleto de Xangô, este, orixá da justiça e Rei dos Astros. Logo, fechei o meu corpo contra a armadura do demônio.

Ao bater as chaves do carro no balcão do frigorífico, uma voz fanhosa, de ressonância nasal de quem estava sendo defunto com uma corda no pescoço, que explodira dos fundos da casa, e, concomitantemente, surgia um magarefe da cor da morte, envergado em um jaleco branco, como uma touca da mesma cor, que encobria da cabeça ao ombro! Assustei-me! Uma alma está me acompanhando! Quer orações!

O aparecido, sem perguntar se eu era freguês – o senhor por quanto faz uma crônica de defunto? – é para você? Não! O senhor não é quem faz as crônicas para as pessoas que morrem; não é o coronel Geraldo?

Confirmei que sim. Demorei de acreditar que meu interlocutor não era fantasma ambulante!

Depois de certificar-me que o açougueiro não era gente do outro mundo, formamos um diálogo amistoso, pois o carniceiro me pediu que eu fizesse uma crônica para seu avô que havia falecido há mais de dez anos. Desculpei-me, dizendo que as crônicas fúnebres que as faço são logo quando falece uma pessoa que a conheço, vou ao seu velório, participo das exéquias e assisto em seguida ao seu sepultamento.

Recomendei-lhe que procurasse as carpideiras (pagas para chorar e rezar) e as levasse à cova do seu avô, porque as almas gostam de rezas. Há carpideiras fanáticas que usam dedeiras e rosário de contas importados – cobram uma grana mais gorda para o envio das almas – rezando 72 horas na porta da igreja remoendo os 15 mistérios e dedilhando com fé as contas de rolimã. Garantindo assim, que não fica nenhuma alma penada na Terra fazendo visagem, subindo todas para o céu!

Despedi-me sem comprar o que desejava, pois, faltam menos de dez minutos para doze horas, e, tinha de cumprir a obrigação de acender as velas para o meu duplo e meus protetores.

Geraldo Dias de Andrade é Cel. PM/RR – Escritor – Bel. em Direito – Cronista – Membro da ABI/Seccional/Norte – Membro da Academia

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Juazeirense de Letras.

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