Realizado no Vale do São Francisco, o encontro conectou ciência, saberes populares e políticas de justiça climática
Em Juazeiro, no norte da Bahia, o lema “Agroecologia, Convivência com os Territórios Brasileiros e Justiça Climática” ecoou entre academia, agricultura familiar e camponesa, movimentos populares, órgãos públicos e povos tradicionais. Esse foi o perfil do 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), de quarta-feira (15) até este sábado (18).
“Para avançar, a agroecologia precisa envolver a sociedade. Por isso o Congresso é diverso e inclui arte, cultura e incidência pública. A agroecologia oferece respostas aos desafios climáticos, alimentares e à poluição causada pelo sistema industrial”, afirma Helder Freitas, professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e da comissão organizadora do evento.
Realizado pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), a cada edição o evento busca superar os formatos acadêmicos convencionais, tendo a ciência aberta e cidadã como referência. Um dos destaques consolidados são os “Tapiris de Saberes”, onde diferentes públicos dialogam em eixos temáticos.
“O CBA só é possível porque conta com uma rede enorme que constrói a agroecologia como ciência, movimento e prática, entendendo que tem ciência no movimento, nas práticas, na resistência, na ancestralidade e na festa”, defende Natália Almeida, da direção da ABA.
Ao todo, o 13º CBA contou com a parceria de movimentos populares, redes, órgãos públicos e povos e comunidades tradicionais. De forma permanente, a ABA faz parte da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), uma rede ampla de movimentos, organizações e órgãos de pesquisa no sentido de uma sociedade agroecológica.
“Este congresso é muito simbólico, especialmente para nós, agricultores e camponeses, porque ele reúne o roçado e a academia. Os acadêmicos, pesquisadores e todos que estão engajados nesse processo demonstram, com sua presença, um compromisso real com a agroecologia”, destacou Leomárcio Araújo, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), representando também a Via Campesina.
Durante o evento, a Cozinha Solidária passou a ser aberta ao público em geral com 30 toneladas de alimentos, 47 produtos diferentes, fornecidos por organizações da região. “Esse é o grande diferencial, porque é isso é o que faz esse CBA ser muito diferente [de outros formatos de congresso]”, destacou Silvio Porto, diretor de Política Agrícola e Informações da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Com mais de seis mil inscrições, o evento realizou conferências, painéis, oficinas autogestionadas, espaços culturais, ato público, ciranda infantil, tenda de saúde e a Feira de Saberes e Sabores. Uma novidade da programação deste ano foi a realização paralela do 7º Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores.
A iniciativa possibilitou a realização do chamado Terreiro das Inovações Camponesas. Essa é uma metodologia e estrutura desenvolvida pela Articulação Semiárido (ASA) que valoriza soluções criadas pelas próprias pessoas e comunidades do campo para conviver bem com a região.
“Na cultura hegemônica, sempre se viu o agricultor como alguém sem saber, mas isso é um equívoco. A capacidade de inovar é nata do agricultor e da agricultora. Se não fosse a capacidade de inovação dos agricultores, a humanidade nem teria alimento. A domesticação das espécies foi a maior revolução tecnológica da nossa história”, ressalta Luciano Silveira, da organização AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia.
O Terreiro reuniu 60 experiências de todo o país durante o 13º CBA, sendo 47 do Semiárido brasileiro. Entre os temas, se entrelaçam agroflorestas, bioinsumos, comunicação popular, sementes crioulas, feiras agroecológicas, reúso da água, organização comunitária, entre outras.

Ao lado do Terreiro, Valdecir Oliveira, quilombola de Conceição das Crioulas, de Salgueiro (PE), expôs produtos de sua comunidade na Feira de Saberes e Sabores. Ela participou pela primeira vez do Congresso e destacou sua potencialidade para a troca de experiências e visibilidade para os povos tradicionais.
“A universidade é feita de gente, e nós estamos nas comunidades produzindo o alimento dessas pessoas. Temos conhecimento sobre o tempo de plantar, de colher, de cuidar de forma limpa. Isso precisa ser valorizado. Quando o saber da universidade se encontra com o saber do povo, todo mundo ganha”, explicou Valdecir Quilombola.
Valdecir cobra uma ampliação da agroecologia pelo país e a garantia de direitos básicos para os povos e comunidades tradicionais. “Quando os governos apoiam, todos ganham. O povo, o planeta, até os próprios governos. Produzimos sem veneno, sem destruir. Nossa produção pode crescer sem matar vidas”, complementa.
Essas disputas de modelos de sistemas alimentares adentrou também os debates fora do país. Amira Apasa Quevedo, do Centro de Investigação e Promoção do Campesinado (SIPCA), da Bolívia, destacou o Congresso como referência continental. Ela também destacou a importância de valorização dos saberes locais diante do crescimento do agronegócio no seu país.
“Na Bolívia ainda não temos congressos como este. O Brasil é um grande exemplo, tanto nos avanços tecnológicos quanto na valorização dos saberes dos agricultores. O que mais me impressionou foi o diálogo entre academia e territórios. Aqui, a agroecologia é ciência e é vida prática ao mesmo tempo”, relatou a boliviana.
Por que na beira do Opará?
Às margens do rio São Francisco, conhecido também como Opará, o 13º CBA é um marco por ser realizado pela primeira vez no território Semiárido brasileiro. Além dos símbolos, o Congresso afirmou a importância da diversidade de saberes locais da região como referência para outros territórios.
“O semiárido [brasileiro] que é o mais populoso, mais chuvoso e com um bioma único no planeta, a Caatinga, tem uma diversidade de povos fantástica. O semiárido de muitas riquezas, belezas e sabores. Mas ainda temos em torno de 300 mil famílias que não têm ainda água para beber”, afirmou Cícero Félix, da coordenação da ASA. “E a agroecologia, a convivência com os territórios, a justiça climática é a grande estratégia para a gente nunca mais voltar ao Mapa da Fome”, complementou.
Esse mesmo sentido foi destacado por Lilian Rahal, secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Combate à Fome (MDA). “O Semiárido é um território com desafios, mas a convivência das populações com esse ambiente, aliada ao apoio técnico e a políticas públicas bem coordenadas, está transformando a realidade local”, destacou.
Lilian ressaltou que o aprendizado com a sociedade civil e populações do Semiárido resultou em políticas públicas de grande impacto, como o Programa Cisternas, que representa um modelo de entrada para ações integradas de convivência com o clima. Dessa forma, o governo busca replicar a abordagem em outros biomas, como a Amazônia, junto a comunidades extrativistas.
“O Programa Cisternas nasceu da escuta e do aprendizado com a população do Semiárido. Ele marca o início de um ciclo de políticas públicas voltadas à convivência com o clima e à valorização dos saberes locais. Estamos levando essa experiência para a Amazônia, construindo com as comunidades extrativistas formas de viver com dignidade e sustentabilidade nos seus territórios”, afirmou a representante do MDA.
Anúncios de políticas e ações
O CBA também serviu para anúncios de investimentos e articulações com governos. O ministro Wellington Dias, do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS) anunciou novas parcerias com associações e cooperativas de agricultores familiares da região, no valor de R$ 325 mil. A ideia é favorecer o escoamento da produção e o abastecimento de restaurantes populares, escolas, bancos de alimentos e cozinhas comunitárias.
“Aquela pessoa simples, que antes era invisível, produzindo abóbora, feijão, criando galinha, agora, o Governo do Brasil chega lá, sem intermediário, com o Programa de Aquisição de Alimentos, compra esse alimento, o dinheiro circula ali e aquele alimento é distribuído ali mesmo”, destacou Dias.
Durante a programação, o MDS também anunciou o lançamento da Plataforma Contrata+ Brasil, que passa a operacionalizar a modalidade Compra Institucional do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), simplificando o processo de contratação e ampliando o acesso dos produtores familiares às vendas diretas para órgãos públicos. A pasta também promoveu oficinas e debates sobre segurança alimentar, agricultura urbana e programas sociais.
Já o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, anunciou mais de R$ 390 milhões em investimentos voltados à agroecologia e à agricultura familiar. Entre as ações estão a retomada do programa Ecoforte, com R$ 100 milhões para apoiar redes agroecológicas em várias regiões, e o fortalecimento do Pronaf Agroecologia, que já contratou mais de R$ 116 milhões em crédito para agricultores familiares.
Também foi lançado um novo edital do programa Da Terra à Mesa, com R$ 160 milhões, além de R$ 15 milhões destinados à pesquisa e monitoramento do Plano Nacional de Agroecologia. Segundo o ministro, os investimentos visam fortalecer os territórios rurais, garantir a segurança alimentar e reduzir o uso de agrotóxicos. “O Estado está ao lado do povo agricultor, do povo que luta pela terra, do quilombola, do indígena”, afirmou Paulo Teixeira.O Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) participou promovendo painéis e contribuindo para a construção de políticas de agroecologia integradas às agendas de soberania alimentar.
“Quem trata a agroecologia como uma exceção não entende o que ela é. Mesmo com pouco apoio, as experiências nos territórios mostram resultados concretos e resistem”, defendeu Elisabetta Recine, presidenta do Consea. “A agroecologia não é apenas uma forma de produção, é um modo de convivência com o planeta. Por isso, precisa de orçamento público, apoio político e assistência técnica”, complementa.
O Brasil de Fato acompanhou o 13º CBA à convite da ASA.