Depois de 16 anos presa numa cadeia, como seria o contato de uma mulher com o mundo lá fora? Como seria retomar uma vida: os filhos, a família, a sociedade? Haveria alguém a sua espera? O reencontro com a liberdade seria uma real libertação?
Essas e outras perguntas são suscitadas pelo espetáculo A Cela, do Groove Estúdio Teatral, que cumpriu temporada em Salvador em 2010, no Theatro XVIII e, depois de apresentado em fragmentos em diversos eventos de solos e performances em 2011/2012, volta agora à Bahia para a temporada do Verão Cênico 2013.
A montagem traz à tona o tema da vida no cárcere, sob a perspectiva da voz dessa mulher à beira da liberdade, num solo da atriz Jacyan Castilho, em co-criação e direção com Cláudio Machado.
A Cela parte do encontro do Groove Estúdio Teatral com o texto homônimo de Michel Azama, autor francês contemporâneo, ainda inédito em Salvador. A montagem foi vencedora do Prêmio Funarte Myriam Muniz de Teatro 2009,
“Quando realizamos a temporada do espetáculo, percebemos o potencial de discussão e reflexão, suscitado pela temática, que vinha lançar um olhar sobre a reinserção na sociedade de uma ex-detenta. Percebemos que isso não dizia respeito só ao ex-detento: todo mundo conhece alguém que foi excluído, ou já sofreu na pele, e sabe como é difícil a volta” explica o diretor Cláudio Machado. Pela receptividade, A Cela pode sair da caixa cênica tradicional e ser apresentada em um formato mais livre, em direta interação com o público, num trabalho mais “olho no olho”, como diz a atriz Jacyan Castilho.
Reencontro com a liberdade – Escritor francês desde os meados da década de 80, publicando obras tanto em dramaturgia quanto em literatura, Michel Azama traz no texto de A Cela a história de uma mulher sem nome, mas cuja intimidade e angústias se mostram no decorrer da peça. Aos 33 anos, essa mulher mata o marido e muda os rumos de sua vida: perde os laços afetivos com os filhos, o carinho da família e a liberdade. Numa sala asséptica que separa o cárcere e a vida em liberdade, a personagem rememora os 16 anos de prisão: as lembranças, as amizades com as outras detentas, a solidão, a feminilidade, o desejo sexual, as repreensões, a saudade, o trabalho na cadeia, a solidão. Desse mundo que ela já bem conhece, ela agora está defronte de uma realidade nova e assustadora: a liberdade e a vida fora do cárcere. E daí vem o medo da liberdade, da família, dos filhos, do exterior, do que já mudou com o tempo.
Na montagem, Jacyan Castilho e Cláudio Machado exploram recursos minimalistas, valorizando o vigor da movimentação física, em momentos não só impactantes, mas contando com recursos de humor também, além da assinatura do premiado compositor, arranjador e músico Jarbas Bittencourt, na direção musical.
Serviço
O que: A Cela, espetáculo solo da atriz Jacyan Castilho, em criação com Cláudio Machado
Quem: Groove Estúdio Teatral, texto de Michel Azama
Sinopse
Na ante-sala das “libertadas”, o lugar onde se quedam as detentas que estão prestes a sair da penitenciária, uma mulher aguarda o momento em que deixará para trás os 16 anos em que cumpriu pena por assassinato, em direção a um futuro incerto e provavelmente hostil que enfrentará dali a minutos – a reinserção na sociedade.
Com este mote, A Cela, do francês Michel Azama (encenada pela única vez no Brasil em 2000, em São Paulo), propõe uma reflexão não só do sistema penitenciário e sua ineficácia na “reinserção” do indivíduo infrator, mas de todo processo de reconstrução psicoafetiva e social pelo qual passa aquele que sofreu uma ruptura em sua trajetória de vida. Autora de um crime passional, que acarretou a perda dos laços familiares, a distância dos filhos, esta mulher defronta-se com inúmeras reflexões e dúvidas na ante-sala para liberdade. São inevitáveis os questionamentos afetivos e sobre sexualidade, e, principalmente, a incerteza da reconstrução do futuro.
Enquanto aguarda, nesta “cela” localizada após o corredor da prisão e antes do portão da saída, a ex-detenta rememora o cumprimento de sua pena: as perdas, mortes, pequenas vitórias e afetos conquistados; a hierarquia carcerária – que reproduz com crueza a hierarquia civil. Sempre se alternando nos papéis de narradora e de personagem da própria história, no trânsito entre reviver e contar as várias memórias que surgem a sua lembrança.
Ficha técnica do espetáculo original
Texto: Michel Azama
Criação: Cláudio Machado e Jacyan Castilho
Intérprete: Jacyan Castilho
Direção musical: Jarbas Bittencourt
Desenho de luz: Pedro Dultra
Cenografia: Rodrigo Frota
Figurino: Luiz Santana
Programação visual: Camilo Fróes
Fotos: Alê Novais/ Marcio Lima
Produção executiva: Fábio Osório Monteiro