O desembargador federal João Pedro Gebran Neto disse ontem (2.nov.2017) que “acabou a ingenuidade” nos julgamentos de casos de corrupção, nos quais não se deve esperar uma “prova insofismável” para eventualmente condenar 1 acusado. Para Gebran, os juízes brasileiros agora consideram suficiente uma “prova acima de dúvida razoável”, desde que seja possível identificar uma “convergência” nos elementos probatórios de 1 determinado processo.
Gebran atua no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cuja sede é em Porto Alegre. Ele está na 8ª Turma do TRF-4 e é o relator do caso em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorre de uma condenação recebida numa sentença expedida pelo juiz Sérgio Moro, de 9 anos e meio de prisão.
Discreto e comedido em suas declarações, sempre oferecidas em tese (nunca mencionando casos específicos), Gebran foi o palestrante do painel “A evolução da Operação Lava Jato“, mediado pelo diretor de redação do Poder360, Fernando Rodrigues, durante a “Conferencia Latinoamericana de Periodismo de Investigación” (Colpin), em Buenos Aires, na Argentina.
Gebram, 53 anos, falou sobre 2 aspectos que considera relevantes para a mudança de “paradigmas” nos julgamentos relacionados à Lava Jato. O primeiro foi a convicção de parte dos juízes brasileiros a respeito de como se deve apurar casos de corrupção.
“Todo mundo precisa de contar uma historinha em casa”, declarou Gebran, ao se referir à forma como alguns réus da Lava Jato reagem após serem flagrados cometendo irregularidade. Alguns dizem que “foram pressionados” a adotar atitudes ilícitas ou que não tinham poder para reagir ao sistema que os compelia ao crime. É raro haver 1 acusado que admite de pronto a sua culpa.
Nos processos que apuram crimes do colarinho branco, explicou o magistrado, também quase nunca existe uma prova de que o dinheiro saiu de 1 lugar e foi depositado em outro, com as identificações de todos os acusados. É aí que se encaixa o conceito da “prova acima de dúvida razoável”, explicou Gebran, citando que 1 conjunto de indícios e provas basta em alguns casos para condenar –por exemplo, os acusados da Lava Jato.
Os advogados de defesa questionam esse conceito nos tribunais. A defesa de Lula sustenta que não há provas contra o ex-presidente, que estaria sendo condenado apenas com base em suposições.
O 2º aspecto que Gebran disse considerar importante para o avanço da Lava Jato foi a decisão do Supremo Tribunal Federal que passou a permitir a execução da pena depois de uma condenação em 2ª instância –não sendo mais necessário que o processo passe por todas as cortes de apelação do país.
Para Gebran, já está em curso um movimento reativo para limitar as condições em que se deu a Lava Jato até agora. O juiz federal, que começou sua carreira como promotor no Estado do Paraná, acha que “vai ser extremamente nefasto” se o STF revogar a regra de prisão já após a condenação em 2ª instância.
Gebran disse respeitar os argumentos de quem é contra o sistema atual, mas afirma que, em geral, apenas “pessoas mais abastadas” conseguem contratar bons advogados e recorrer indefinidamente contra uma condenação e ir até o STF. Para o magistrado, o recurso à 2ª Instância já garante ao réu o direito de ter se caso analisado de maneira correta e justa.
Na sua exposição, Gebran disse aos jornalistas –a maioria da Argentina– que o projeto de lei contra o abuso de autoridade, em tramitação agora na Câmara, é também 1 exemplo de reação daqueles que desejam frear a Lava Jato.
Durante sua palestra, afirmou que “o Poder Judiciário age com absoluta imparcialidade e isenção.
O magistrado citou os desdobramentos da Lava Jato em diversos Estados brasileiros quando indagado sobre as conexões internacionais da investigação. Fez uma referência a uma fala do ministro do STF Gilmar Mendes: “Dizia-se que na Lava Jato puxava-se uma pena e vinha uma galinha. Eu acho que na verdade veio 1 galinheiro inteiro”.
Segundo Gebran, após a Lava Jato “o Brasil sairá maior, melhor e mais forte e que a sociedade brasileira ganhará bastante”. Fez também a leitura de 1 trecho de uma crônica do escritor mineiro Rubens Alves:
“Hoje não há razões para otimismo. Hoje só é possível ter esperança. Esperança é o oposto de otimismo. Otimismo é quando, sendo primavera do lado de fora, nasce a primavera do lado de dentro. Esperança é quando, sendo seca absoluta do lado de fora, continuam as fontes a borbulhar dentro do coração. Camus sabia o que era esperança. Suas palavras: e no meio do inverno eu descobri um verão invencível”.
O EVENTO EM BUENOS AIRES
A “Conferencia Latinoamericana de Periodismo de Investigación” (Colpin) foi aberta nesta 5ª feira (2.nov.2017) na Universidade de Palermo, em Buenos Aires, Argentina. Os responsáveis pela organização são o Instituto Prensa y Sociedad (IPYS), do Peru, e o Foro de Periodismo Argentino (Fopea), que também realiza seu congresso anual. No evento será anunciado o vencedor do Prêmio Latinoamericano de Jornalismo Investigativo.