GERALDINHO 70 ANOS:”QUERO MAIS É FAZER MÚSICA E CANTAR PARA AS PESSOAS

Ele pretende comemorar a data redonda ao longo deste 2015

blogqspgeraldo70anos Foto acervo Mauriçola2Em 1969, Geraldo Azevedo fez o seu primeiro show solo no Rio de Janeiro, para uma pequena plateia, e a pedidos, tocou uma canção que jamais incluiu em nenhum dos seus shows: Yesterday, de Lennon e McCartney. Ele era prisioneiro do Cenimar (Centro de Informações da Marinha), na Ilha das Flores, sob acusação de subversão contra o governo militar. Foi submetido a pesadas torturas para revelar o que não sabia, nem poderia saber.

Estava preso por engano: “Fui levado no arrastão de pessoas presas depois do AI­5, me confundiram com outro cara. Eu dizia o tempo todo que era músico, e não acreditavam. Até que, um dia, o torturador pediu que trouxessem um violão pra que eu provasse que era mesmo o que dizia. Tiraram as algemas, e ele pediu para eu tocar. Perguntei o que queria ouvir. E ele pediu Yesterday. Quando viu que eu era mesmo músico, chamou outros militares e pediu pra que tocasse mais. Depois disso, pararam as torturas”, relembra, o músico, que mesmo assim ainda se atreveu a cantar no aniversário do comandante.

blogqspgeraldo70anos Foto acervo Mauriçola1“Ontem, todos os meus problemas pareciam tão distantes”, dizem os versos iniciais da canção dos Beatles. Ele foi preso uma segunda vez, em 1975, sofreu torturas ainda mais severas, capítulos ruins de sua biografia deixada no “ontem”: “Estou sempre de bom humor, esqueci os maus momentos”, comenta Geraldinho, que aniversaria hoje (11), comemora sete décadas de vida, porém sem festas, provavelmente com um almoço juntando os quatro filhos: “Vou celebrar ao longo do ano. Pretendo lançar mais um disco de inéditas, fazer um Salve o São Francisco 2. Engraçado é que, hoje, as pessoas gravam disco para fazer show. Eu não tenho tempo de gravar porque estou sempre fazendo shows”.

Nascido em 11 de janeiro de 1945, em Jatobá, hoje um bairro de Petrolina, na casa do sítio em que morava a família Azevedo não havia luz elétrica. Mas nunca faltou um violão. O pai tocava, a mãe adorava cantar e ambos passaram o dom a Geraldinho e seus irmãos. “Todo mundo lá em casa aprendeu a tocar, mas o que mexeu comigo foi o João Gilberto e a bossa nova. Quando eu tinha 15 anos, fui fazer o ginásio em Petrolina, que ficava a uma hora e meia de jegue.” A bossa nova era ainda mais tocada em Petrolina pela vizinhança com Juazeiro, cidade natal de João Gilberto. “Tinha 16 anos, quando conheci João, em Juazeiro. Ele foi visitar o pai que estava doente, conversamos, e até marcamos para tocar, mas ele foi embora antes. Engraçado é que ele faz referências a mim, conversei com ele algumas vezes, por telefone, mas nunca mais o vi pessoalmente”, revela.

No início dos anos 1960, Geraldo veio para o Recife, onde morava um irmão militar, para fazer faculdade. “Meu sonho era me formar. Fiz o científico num colégio estadual, o Martins Júnior, e passei a tocar em festinhas da turma de escola.” Num tempo em que a bossa nova era novidade, Geraldinho fez sucesso. “Poucos violonistas sabiam tocar. Um dia, me chamaram para um show na Faculdade de Filosofia.” Na apresentação, conheceu Teca Calazans. “Ela fazia parte do grupo Construção, passei a participar dos shows, a frequentar o bar Aroeira, que ficava nos fundos do TPN (Teatro Popular do Nordeste)”, conta Geraldo Azevedo que, até então, não compunha: “Fiz uma bossa nova com meu irmão, Gabriel, que era seminarista ­ lembro só da melodia. Musiquei poemas de uma peça de Jomard (Muzin de Brito), que também não me lembro mais. Considero minha primeira música Aquela rosa, que fiz com Carlos Fernando”.

O frevo de bloco Aquela rosa foi a música de estreia dos dois parceiros. Em 1967, ela dividiria o primeiro lugar da 1ª Feira da Nordestina de Música Popular Brasileira com Chegança de fim de tarde (Marcus Vinicius de Andrade). Foi também a primeira composição gravada de Geraldo Azevedo (por Teca Calazans, com selo Mocambo, da Rozenblit). Aquela rosa fez sucesso apenas no Recife, mas foi com ela Geraldo carimbou sua ida para o Rio, a convite de Eliana Pittman, cantora de sucesso da época. Filha do jazzmen americano Booker Pittman, Eliana gravou Aquela rosa e a incluiu num repertório eclético, e pontuado por standards da música americana: “Eu tinha aquela coisa de então, de não tocar música americana, porque os Estados Unidos é que sustentavam a ditadura. Eliana me pagava muito bem, mas quando Vandré me convidou para tocar com ele aceitei na hora”.

Com Naná Vasconcelos, companheiro do grupo Construção, Geraldinho formou, no final de 1968, o Quarteto Livre (com o flautista Franklin e o violonista Nelson Ângelo), que acompanhou Geraldo Vandré no show Caminhando (Para não dizer que não falei de flores), batizado com o título da panfletária guarânia, que levantou a plateia do Festival Internacional da Canção, no Maracanãzinho, e atiçou a ira dos generais. “Fizemos varias apresentações: no Teatro Opinião, no Rio, em Minas. Quando chegamos em Anápolis, Goiás, veio o AI­5. Caetano, Gil foram presos, Vandré deixou o país. O grupo acabou-­se.” Não foi uma turnê tranquila. Depois de um ensaio no Opinião, logo depois que os músicos e Vandré saíram, explodiu uma bomba no teatro, atentado assumido pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas).

Geraldo passou a ganhar vida como desenhista, profissão para a qual nunca estudou, e aprendeu no Recife. “Fui dar aulas de violão a Geraldo Vieira,um engenheiro e ele perguntou se eu gostava de matemática. Era minha matéria preferida. Então, ele sugeriu que eu tentasse o desenho técnico.” A música ficou em segundo plano. Depois que Geraldo saiu da prisão, foi quase abandonada. Foi Alceu Valença que incentivou Geraldo Azevedo a voltar a tomar gosto pela música. No começo dos anos 1970, quem também estava no Rio era o compositor Paulo Guimarães (falecido prematuramente). Era o “grupo pernambucano”.

A estreia de Geraldinho num estúdio de gravação, em 1967, foi tocando violão, num compacto da cantora Lisete Margarida, lançado pela Rozenblit, com Infinito, de Paulo Guimarães, Severino do Sertão, Sebastião Vila Nova e Benjamin Santos. Lisete foi acompanhada por Geraldo Azevedo (violão), Naná (bateria) e Chagas (contrabaixo): “Penso em gravar esta música de Paulo com Alceu Valença. A gente era quase um trio. Tem umas matérias sobre nós três em jornais do Rio. Mas Paulo não tinha, por exemplo, a inquietude de Alceu”, comenta Geraldo. Ele voltaria a gravar em 1972, dividindo um LP com Alceu Valença, lançado pela Copacabana.

“Foi o primeiro disco do Brasil lançado pelo sistema quadrafônico. O LP não tinha nome, e acabou ficando conhecido como Quadrafônico”, comenta Geraldo Azevedo, que só gravaria o primeiro disco solo quatro anos mais tarde, pela Som Livre. No disco seguinte, Bicho de sete cabeças (1979, CBS) o sucesso começava a se delinear. É, deste álbum, Táxi lunar (parceria com Alceu e Zé Ramalho) seria consolidado com Inclinação musicais (1981, Ariola), com duas faixas que se tornaram obrigatórias no repertório: Dia branco (com Renato Rocha), e Moça bonita (com Capinam).

(Leia matéria na íntegra na edição impressa do Jornal do Commercio)

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